Pará
8 horas ago
Mulheres ribeirinhas encontram alternativa para combater poluição por plástico em rio da Amazônia | Pará
Grupo da Ilha do Combu, em Belém, encontrou um meio de amenizar os impactos de sacolas plásticas acumuladas no rio Guamá utilizando folhas da árvore de cacau por meio de um processo manual. Extrativistas colhem as folhas de forma manual para a produção da embalagem
Carolina Mota
A retirada voluntária de resíduos plásticos acumulados às margens do rio Guamá tem se tornado parte do cotidiano de moradores da Ilha do Combu, localizada a 1,5 km de Belém. Diante de um crescente cenário de poluição, um grupo de mulheres extrativistas decidiu agir: transformar folhas de cacau em embalagens biodegradáveis, aliando conhecimento técnico à sabedoria popular.
O simples hábito dos ribeirinhos de molhar os pés na beira do rio foi substituído pela convivência diária com sacolas, garrafas e outros resíduos plásticos. Segundo a Secretaria Municipal de Zeladoria e Conservação Urbana (Sezel), cerca de 150 mil toneladas de lixo foram retirados dos canais e rios da capital paraense, entre os meses de janeiro e abril de 2025.
Parte desse lixo segue o curso natural do rio e se acumula em comunidades que vivem na Ilha do Combu, entre elas, a Associação de Mulheres Extrativistas da Ilha do Combu (AME), composta por cerca de 15 mulheres que nasceram e se criaram presenciando mudanças do território amazônico.
“A gente quase não sai daqui, então precisávamos encontrar por aqui mesmo algo para mudar esse aumento de lixo e as consequências que vêm junto”, diz Dayane Sarmanho, de 30 anos, moradora da ilha e integrante da associação desde o início, há seis anos.
Sabonetes, óleos, hidratantes e outros itens naturais são produzidos de forma artesanal e atraem visitantes interessados nos cosméticos sustentáveis.
Ana Clarisse
Dayane e as demais mulheres da AME tiram o sustento exclusivamente da comercialização de produtos feitos com matérias-primas da floresta, como a andiroba, planta nativa da Amazônia da qual é extraído um óleo utilizado para fins medicinais.
Sabonetes, óleos, hidratantes e outros itens naturais são produzidos de forma artesanal e atraem visitantes interessados nos cosméticos sustentáveis e saberes tradicionais que fazem parte da produção.
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Solução que vem da floresta 🌳
A produção das embalagens feitas com folhas de cacau tornou-se parte do trabalho das mulheres extrativistas.
Mulheres da Ilha do Combu produzem embalagens biodegradáveis com material da floresta amazônica
Ana Clarisse
🍃 O processo começa ainda na floresta, com a colheita manual das folhas direto das árvores. Mas não é qualquer folha que serve: as mais maduras, que apresentam uma coloração verde-escura, costumam ser rígidas e quebradiças.
Já as folhas muito novas, em tons um pouco mais claros, são frágeis demais para o manuseio. A escolha é feita no olho e no toque, com a experiência de quem conhece a matéria-prima utilizada.
🪵 Depois da colheita, as folhas seguem para uma etapa chamada de fervura. Em um latão com água aquecida no fogo a lenha, é adicionada soda cáustica. As folhas são mergulhadas nessa mistura por alguns minutos.
“A gente sabe que está no ponto quando a folha vai perdendo a coloração verde e fica mais puxada pro marrom”, explica Rosineide Trindade, uma das associadas da AME.
⛅ Após a fervura, cada folha é cuidadosamente lavada. Primeiro com água sanitária, depois em água corrente, para remover os resíduos químicos.
Em seguida, são penduradas à sombra em varais e deixadas para secar naturalmente. O ponto certo é identificado quando elas começam a enrolar sozinhas, sinal de que estão prontas para a próxima etapa.
🌳 Já secas, as folhas passam por um último tratamento. O ferro de passar roupa é usado para deixá-las com uma textura mais lisa e uniforme, prontas para serem transformadas em embalagens.
Apesar de ser um trabalho delicado, demorado e feito à mão, a escolha por usar folhas de cacau carrega um propósito para além da comercialização.
“Poderíamos comprar sacolas prontas, seria bem mais fácil. Porém, precisamos cuidar de onde a gente vive. A floresta cuida da gente, então precisamos retribuir isso”, afirma Rosineide.
A professora Sury Monteiro, Oceanógrafa e diretora da Faculdade de Oceanografia da Universidade Federal do Pará (UFPA), destaca a importância ambiental desse tipo de prática. Para ela, iniciativas como a das mulheres da AME mostram como os saberes locais podem oferecer respostas acessíveis à crise ambiental.
“Esse processo artesanal é um exemplo claro de inovação a partir do conhecimento tradicional. Ele valoriza o que é local e mostra que é possível gerar renda cuidando do meio ambiente”, afirma a especialista.
Muito além do chocolate 🍫
O estado do Pará é o maior produtor de cacau do país, segundo a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), e é responsável por cerca de 51% de toda a produção nacional.
Uma parte da produção do estado está situada na Ilha do Combu, com árvores nativas em solos férteis de várzeas distribuídas ao longo do rio, conforme diz o relatório da Ceplac. Do cultivo, deriva o chocolate, que tem grande força no Pará.
Porém, os nativos deram outra utilidade para a árvore. As folhas do cacaueiro, por serem longas e com estruturas firmes, poderiam facilmente embalar produtos pequenos.
Há cerca de três anos, as mulheres da AME adotam um processo mais técnico para a fabricação das embalagens.
As folhas do cacaueiro, por serem longas e firmes, são excelentes para servirem de embalagem
Ana Clarisse
Segundo Rosineide, o trabalho realizado pela associação passou por alguns aperfeiçoamentos, já que, segundo ela, o processo precisava de detalhes técnicos que elas não possuíam.
“Conseguimos advogado para nos ajudar em casos de necessidade jurídica. Temos acesso a um químico que nos orienta sobre o manuseio e descarte dos produtos utilizados. Todos de forma voluntária, que chegam aqui, ficam admirados com a iniciativa e passam a querer contribuir com a melhoria dela”, afirma.
De acordo com a professora da UFPA, esse tipo de incentivo é essencial para a valorização de iniciativas como a da AME. Para Sury, quando práticas sustentáveis ganham escala e apoio, tornam-se capazes de gerar pressão por políticas públicas e regulamentações.
“Essas práticas criam uma pressão para a geração de políticas públicas, de regulamentação que retorna para apoiar a prática com financiamento, com pesquisa, com o aprimoramento. Mas precisamos também consumir e valorizar essas iniciativas pra que elas ganhem corpo e robustez. Não dá para esperar que pessoas de fora valorizem os nossos produtos, técnicas e estilos de vida se nós mesmos não valorizamos”, explica.
Descarte irregular de lixo e soluções
Moradores e voluntários fazem a coleta de lixo às margens do rio Guamá na Ilha do Combu
Tarso Sarraf
O aumento do turismo na Ilha do Combu, em Belém, tem impulsionado a economia local, mas também acende um alerta para os impactos socioambientais gerados por esse crescimento acelerado.
Dados do Sebrae Pará mostram que o número de empreendimentos turísticos na região saltou de três, em 2000, para 60 em 2023.
Com a proximidade da COP 30 e a expectativa de 50 mil visitantes na capital paraense, moradores relatam crescimento nas vendas das mercadorias locais, mas também se preocupam com o aumento do lixo, construções irregulares e poluição sonora na comunidade.
“Isso aqui tudo era verde. Agora vemos casas, hostels e precisamos retirar lixo acumulado que nem é produzido por nós”, relata Dayane, integrante da Associação das Mulheres Extrativistas do Combu (AME).
Para a professora Sury, a poluição plástica nos rios amazônicos, especialmente com microplásticos, representa uma ameaça à saúde pública.
Estudos já identificam essas partículas em peixes, aves e até em organismos microscópicos, o que afeta diretamente a população ribeirinha que consome pescado. Ela alerta para o tempo de decomposição das sacolas plásticas, que pode chegar a 400 anos, mesmo nas versões biodegradáveis.
a especialista em oceanografia Sury Monteiro explica os problemas causados pelos microplásticos
Ana Clarisse
Sury defende que as soluções para a crise ambiental podem e devem ser buscadas dentro da própria floresta, com base nos conhecimentos tradicionais das comunidades extrativistas. Ela aponta a iniciativa da AME como exemplo de solução sustentável adaptada à realidade local.
“Essas populações sempre cuidaram do território com equilíbrio, muito antes da urbanização”, afirma.
A professora reforça que práticas como essa precisam ser valorizadas e replicadas com base na disponibilidade de matéria-prima de cada região, evitando impactos negativos.
“O conhecimento tradicional e a ciência se encontram justamente na construção de soluções locais com impacto global”, conclui.
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